Trecho do programa " De ponto em ponto se faz um conto" da série Palavra Puxa Palavra da MultiRio.
A estrutura e características da crônica.
Educopédia - SME/RJ
A estrutura e características da crônica.
Educopédia - SME/RJ
Caderno A ocasião faz o escritor
Orientações para realizar, em
sala de aula, a sequência didática com as oficinas que levam seus alunos
a escrever uma crônica. Para auxiliar o uso do material, o Caderno
apresenta recursos como grifo, busca e anotação. Disponibiliza também
recursos multimídia sobre o gênero textual.
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Roteiro para a revisão da crônica
Falemos das flores (25 de novembro de 1855), de José de Alencar
Gazeta do Povo, 31/8/2008. Disponível em A Gazeta do Povo.
A arte de ser avó
9º "B", 1º "A" e 1º "B"
Sugestão aos futuros cronistas
- Desenvolva um olhar atento e sensível aos fatos do dia a dia: um morador de rua solitário na calçada, a forma de o feirante atrair os compradores, um encontro no ônibus, o futebol dos meninos na pracinha, uma notícia de jornal que desperta curiosidade...
- Reflita criticamente sobre questões sociais, ações, sentimentos e comportamento das pessoas e, depois, usar ao escrever a crônica deles, trazendo à tona a vida da cidade.
- Escolha a dedo as palavras. Sua linguagem é simples, espontânea, quase uma conversa ao pé do ouvido com o leitor.
- Tempera os fatos diários com humor, ironia ou emoção, revelando peculiaridades que as pessoas, em sua correria, deixam de perceber.
Roteiro para a revisão da crônica
1ª Oficina: 1º "A" (05/05); 1º "B" (07/05) e 9º "B" (08/05) - Estágio da acadêmica Daniela
A estagiária apropriou-se do tema sugerido pela professora regente), a qual fez uso de slides produzidos por ela, a fim de apresentar as informações estabelecidas na primeira oficina, tais como definição da Olimpíada de LP e como participar; esclarecimento quanto aos elementos do gênero textual crônica, bem como alguns cronista da atualidade; leitura e análise da crônica "A Última Crônica, de Fernando Sabino. Também a breve biografia do autor.
Além disso, a acadêmica frisou a importância da leitura para formação de leitores competentes.
- Houve participação e interação dos alunos (as\) durante a execução da 1ª oficina por parte dos alunos vs professora (acadêmica). Tudo ocorreu na maior normalidade.
Obs.: Ainda não tenho permissão para postar a atividade da estagiária.
2ª oficina:
Obs. Infelizmente tive que montar slides...
Atividades
1. Divida a classe em pequenos grupos e proponha a leitura de uma das crônicas sugeridas abaixo:
A Rua do Ouvidor (1878), Joaquim Manuel de Macedo;
Falemos das flores (1855), José de Alencar;
Ser brotinho (1960), Paulo Mendes Campos;
Conformados e realistas (2008), Tostão;
Quem tem medo da mortadela (1995), Mário Prata;
Do rock (2009), Carlos Heitor Cony;
A arte de ser avó (2005), Rachel de Queiro
1. Divida a classe em pequenos grupos e proponha a leitura de uma das crônicas sugeridas abaixo:
A Rua do Ouvidor (1878), Joaquim Manuel de Macedo;
Falemos das flores (1855), José de Alencar;
Ser brotinho (1960), Paulo Mendes Campos;
Conformados e realistas (2008), Tostão;
Quem tem medo da mortadela (1995), Mário Prata;
Do rock (2009), Carlos Heitor Cony;
A arte de ser avó (2005), Rachel de Queiro
A Rua do Ouvidor, Joaquim
Manuel de Macedo
A Rua do Ouvidor contou diversas lojas de perfumarias,
e, por consequência, devia ser a rua mais cheirosa, mais perfumada entre todas
as da cidade do Rio de Janeiro.
E todavia não o era!...
Com efeito não havia nem há rua mais opulenta de
aromas, de perfumes, de pastilhas odoríferas, de banhas e de pomadas de ótimo
cheiro; mas tudo isso encerrado em vidrinhos, em frascos e em pequenas caixas
bonitas que mantinham e mantêm a Rua do Ouvidor tão inodora como as outras de
dia.
Atualmente de noite observa-se o mesmo fato.
Naquele tempo, porém, isto é, nos tempos do Demarais, e
ainda depois, a Rua do Ouvidor, de fácil e reta comunicação com a praia, era
uma das mais frequentadas pelos condutores dos repugnantes barris, das oito
horas da noite até às dez.
A esses barris asquerosos o povo deu a denominação
geralmente adotada de - tigres - pelo medo explicável que todos fugiam deles.
Esse ruim costume do passado me traz à memória
informação falsa e ridícula que li, e caso infeliz e igualmente ridículo, de
que fui testemunha ocular e nasal em 1839, no meu saudoso tempo de estudante.
A informação é a seguinte:
Um francês (viajante charlatão) passou pela cidade do
Rio de Janeiro, e demorando-se nela alguns dias, ouviu dos patrícios da Rua do
Ouvidor queixas dos incômodos tigres que frequentes passavam ali de noite.
Sábio e consciencioso observador que era, o viajante tomou nota do ato, e
poucos anos depois publicou, no seu livro de viagens, esta famosa notícia:
“Na cidade do Rio de Janeiro, capital do Império do
Brasil, feras terríveis, os trigraves, vagam, durante a noite, pelas ruas,
etc., etc.!!!”
E é assim que escreve a história!
O caso que observei foi desastroso, mas de natureza
que fez rir a todos.
Pouco depois das oito horas da noite, um inglês,
trajando casaca preta e gravata branca...
Entre parênteses.
Em 1839 ainda era de uso ordinário e comum a casaca; o
reinado de paletó começou depois; muitos estudantes iam às aulas de casacas, e
não havia senador nem deputado que se apresentasse desacasacado nas respectivas
Câmaras: o paletó tornou-se eminentemente parlamentar de 1845 em diante.
Fechou-se o parênteses.
O inglês de chapéu de patente, casaca preta e gravata
branca subia pela Rua do Ouvidor, quando encontrou um negro que descia, levando
à cabeça um tigre para despejá-lo no mar.
O pobre africano ainda a tempo recuou um passo, mas o
inglês que não sabia recuar avançou outro; o condutor do tigre encostou-se à
parede que lhe ficava à mão direita, e o inglês supondo-se desconsiderado por
um negro que lhe dava passo à esquerda pronunciou a ameaçadora palavra goodemi, e sem
mais tir-te nem guar-te honrou com um soco britânico a face do africano, que
perdendo o equilíbrio pelo ataque e pela dor, deixou cair o tigre para diante e
naturalmente de boca para baixo.
Ah! Que não sei de nojo como o conte!
O Tigre ou o barril abismou em seu bojo o chapéu e a
cabeça e inundou com o seu conteúdo a casaca preta, o colete e as calças do
inglês.
O negro fugiu acelerado, e a vítima de sua própria
imprudência, conseguindo livrar-se do barril, que o encapelara, lançou-se a
correr atrás do africano, sacudindo o chapéu em estado indizível, e bradando
furioso:
— Pegue ladron! Pegue ladron!...
Mas qual - pega ladron! -: todos se arredavam de
inocente e malcheiroso negro que fugia, e ainda mais o inglês, tornado tigre
pela inundação que recebera.
Era geral o coro de risadas na Rua do Ouvidor.
O inglês, perdendo enfim de vista o africano,
completou o caso com um remate pelo menos tão ridículo como o seu desastre.
Voltando rua acima, parou em frente de numeroso grupo de gente que testemunhara
a cena, e ria-se dela.
Ainda hoje o estou vendo; o inglês parou, e sempre a
sacudir o chapéu olhou iroso para o grupo e disse mas disse com orgulhosa
gravidade britânica:
— Amanhã faz queixa a ministro da Inglaterra, e há de
ter indenização de chapéu e de casaca perdidas.
Ah! Eu creio que então a melhor das risadas que
romperam foi a minha gostosa, longa e repetida risada de estudante feliz e
alegrão. É inútil dizer que não houve questão diplomática. A Inglaterra
ainda não se tinha feito representar no Brasil por Mr. Christie, o único capaz
(depois do jantar) de exigir indenização do chapéu e da casaca que o patrício
perdera.
Não foi este único desastre que os tigres ocasionaram,
foram muitos e todos mais ou menos grotescos, e sei de um outro (além da
encapelação do inglês) ocorrido na Rua do Carmo hoje Sete de Setembro, que de
súbito desfez as mais doces esperanças do casamento inspirado e desejado por
mútuo amor.
O namorado era estudante, meu colega e amigo; estava
perdidamente apaixonado por uma viúva, viuvinha de dezoito anos, e linda como
os amores.
Uma noite, a bela senhora estava à janela, e à luz de
fronteiro lampião viu o namorado que, aproveitando o ponto do mais vivo clarão
iluminador, lhe mostrava, levando-o ao nariz, um raminho de lindas flores, que
ia enviar-lhe, quando nesse momento o cego apaixonado esbarrou com um condutor
de tigre, e, embora não encapelado, foi quase tão infeliz como o inglês.
O pior do caso foi que a jovem adorada incorreu no
erro quase inevitável de desatar a rir, e logo depois de fugir da janela por
causa do mau cheiro de que se encheu a rua.
O namorado ressentiu-se do rir impiedoso da sua
esperançosa e querida noiva; amoroso, porém, como estava, dois dias depois
tornou a passar diante das queridas janelas.
No erro; a formosa viúva, ao ver o estudante, saudou-o
doce, ternamente, mas levou o lenço a boca para dissimular o riso lembrador de
ridículo infortúnio.
O estudante deu então solene cavaco, e não apareceu
mais à bela viuvinha.
Um tigre matou aquele amor.
In:
Memórias da Rua do Ouvidor. Rio de Janeiro: Perseverança, 1878.
Falemos das flores (25 de novembro de 1855), de José de Alencar
Falemos das flores.
O que é uma flor?
Será esta criação vegetal que na
primavera se abre do botão de uma planta?
Não: a flor é o tipo da perfeição, é a
mais sublime expressão da beleza, é um sorriso cristalizado, é um raio de luz
perfumado.
Por isso há muitas espécies de flor.
Há as flores do vale - mimosas
criaturas que vivem o espaço de um dia, que se alimentam de orvalho, de luz e
de sombras.
Há as flores do céu - as estrelas, - que brilham
à noite no seu manto azul, como os olhos de uma linda pensativa.
Há as flores do ar - as borboletas, - que têm
nas suas asas ligeiras as mais belas cores do prisma.
Há as flores da terra - as mulheres, - rosas
perfumadas que ocultam entre as folhas os seus espinhos.
Há as flores dos lábios - os sorrisos, lindas
boninas que o menor sopro desfolha.
Há as flores do mar - as pérolas, - filhas do
oceano que saem do seio das ondas para se aninharem no seio de uma mulher
morena.
Há as flores da poesia - os versos, - às vezes tão
cheios de perfumes e de sentimentos como a mais bela flor da primavera.
Há as flores d'alma - os sentimentos, - flores a
que o coração serve de vaso, e as lágrimas de orvalho.
Há as flores da religião - as preces, - modestas
violetas que perfumam a sombra e o retiro.
Há as flores da harmonia - os gorjeios - que brincam
nos lábios mimosos de uma boquinha sedutora.
Há as flores do espírito - os ziguezagues, - que
nascem sobre o papel como rosas silvestres e sem cultura.
(Não falo dos nossos ziguezagues, que, quando
muito, são flores murchas).
Há enfim uma espécie de flor que é tão
rara como a tulipa negra de Alexandre Dumas, como o cravo azul de Jean-Jacques,
como o crisântemo azul de George Sand.
É a
flor da vida, este sonho dourado, este puro ideal a que todos
aspiram e de que tão poucos gozam.
Porque a flor da vida apenas vive um
dia, como as rosas da manhã que a brisa da tarde desfolha.
E quando murcha, deixa dentro d'alma
os seus perfumes, que são essas recordações queridas que nos sorriem ainda nos
últimos tempos da existência.
Para uns a flor da vida nasce nos
lábios de uma mulher; para outros no seio de um amigo.
Feliz do caminhante que à beira do
bosque por onde passa colhe esta florzinha azul, espécie de urze cingida de uma
coroa de espinhos.
Muitas vezes, depois de muitas
fadigas, quando já tem as mãos feridas dos espinhos, e que vai colher a flor,
ela se desfolha.
O vento soprou sobre ela, ou um verme
roeu-lhe os estames.
Até aqui os meus leitores têm visto o
mundo pelo prisma de uma flor; mas não se devem iludir com isso.
Algum velho político de cabelos
brancos lhes dirá que isto são simples devaneios de uma imaginação exaltada.
A flor
é a poesia, mas o fruto
é a realidade, é a única verdade da vida.
Enquanto pois os poetas vivem à busca
de flores, os
homens sérios e graves, os homens práticos só tratam de colher os frutos.
Eles veem desabrochar as flores,
exalar os seus perfumes, e esperam como o hortelão que chegue o outono e com
ele o tempo da colheita.
E na verdade, a flor encerra sempre o
germe de um fruto, de um pomo dourado, que outrora perdeu o homem, mas que é
hoje a sua salvação.
A explicação disto me levaria muito
longe, se eu não me lembrasse que até agora ainda não escrevi uma linha de
revista, e ainda não dei aos meus leitores uma notícia curiosa.
Mas, a falar a verdade, não me agrada
este papel de noticiador de coisas velhas, que o meu leitor todos os dias vê
reproduzidas nos quatro jornais da corte, em primeira, segunda, e terceira
edição.
Poderia dizer-lhe que depois da
epidemia vai-se revelando uma outra epidemia de divertimentos, realmente
assustadora.
Fala-se em clube artístico, em baile mascarado no teatro
lírico, em passeios de máscaras pelas ruas, numa companhia francesa de vaudevilles, e em mil
outras coisas que tornarão esta bela cidade do Rio de Janeiro um verdadeiro
paraíso.
Neste tempo é que os folhetinistas
baterão as asas de contentes, e não terão trabalho de escrever tiras de papel;
preferirão ir ao baile, ao passeio, ao teatro, colher as flores de que hão de
formar o seu bouquet
de domingo.
Enquanto porém não chega esta bela
quadra, essa primavera dos nossos salões, esse abril florido da nossa
sociedade, não há remédio senão contentarmo-nos com o que temos, e em vez de
rosas, apresentar ao leitor as folhas secas do ano.
A respeito de teatro, não falemos; é
uma casa em cujo pórtico (digo pórtico figuradamente) a prudência parece ter
gravado a inscrição de Dante: — Guarda
e passa.
Se desprezais o aviso e entrais, daí a
pouco tereis razão de arrepender-vos.
Sentai-vos em uma cadeira qualquer: a
vossa direita está um gruísta; a vossa esquerda um chartonista.
Levanta-se o pano: representa-se a Norma ou a Fidanzata Corsa; canta uma
das duas prima-donas, uma das duas prediletas do público.
— Bravo! grita o gruísta entusiasmado.
— Que exageração! diz o chartonista
estirando o beiço.
— Divino!
— Oh! é demais!
— Sublime!
— Insuportável!
E assim neste crescendo continuam os
dois dilettanti,
de maneira que o vosso ouvido direito está sempre em completa oposição com o
vosso ouvido esquerdo.
Cai o pano.
No intervalo conversai um pouco com os
vossos vizinhos.
— É preciso ser completamente
ignorante, diz o gruísta com o aplomb
de um maestro,
para não se apreciar a sublimidade do talento desta mulher!
Vós, meu leitor, que não quereis
assinar um termo de ignorante, não tendes remédio senão confessar-vos gruísta,
e em lugar de dois pontos de admiração dais três.
— Com efeito, é uma artista exímia!!!
Apenas acabais a palavra, quando o
chartonista vos interroga do outro lado.
— É possível que um homem de gosto e
de sentimento admita semelhantes exagerações?
Ficais embatucado; mas, se não quereis
passar por homem de mau gosto, deveis imediatamente responder:
— Com efeito, não é natural.
Daí a um momento o vosso vizinho da
direita retruca:
— Veja, todos os camarotes da 4a ordem
estão vazios.
— É verdade!
Torna o vizinho esquerdo:
— Com esta chuva, que casa, hem!
— Boa!
Agora acrescentai a isto as
desafinações do Dufrene, a rouquidão do Gentile, os cochilos do contra-regra, e
fazei ideia do divertimento de uma noite de teatro.
Ao correr da pena. 2ª edição São Paulo:
Melhoramentos, s/d.
Ser brotinho
Paulo Mendes Campos
Ser brotinho não é viver em um píncaro azulado: é muito mais! Ser brotinho é
sorrir bastante dos homens e rir interminavelmente das mulheres, rir como se o
ridículo, visível ou invisível, provocasse uma tosse de riso irresistível.
Ser brotinho é não usar pintura alguma, às vezes, e
ficar de cara lambida, os cabelos desarrumados como se ventasse forte, o corpo
todo apagado dentro de um vestido tão de propósito sem graça, mas lançando fogo
pelos olhos. Ser brotinho é lançar fogo pelos olhos.
É viver a tarde inteira, em uma atitude esquemática, a
contemplar o teto, só para poder contar depois que ficou a tarde inteira
olhando para cima, sem pensar em nada. É passar um dia todo descalça no
apartamento da amiga comendo comida de lata e cortar o dedo. Ser brotinho é
ainda possuir vitrola própria e perambular pelas ruas do bairro com um ar
sonso-vagaroso, abraçada a uma porção de elepês coloridos. É dizer a palavra
feia precisamente no instante em que essa palavra se faz imprescindível e tão
inteligente e superior. É também falar legal e bárbaro com um timbre tão por
cima das vãs agitações humanas, uma inflexão tão certa de que tudo neste mundo
passa depressa e não tem a menor importância.
Ser brotinho é poder usar óculos enormes como se fosse
uma decoração, um adjetivo para o rosto e para o espírito. É esvaziar o sentido
das coisas que os coroas levam a sério, mas é também dar sentido de repente ao
vácuo absoluto. Aguardar na paciente geladeira o momento exato de ir à forra da
falsa amiga. É ter a bolsa cheia de pedacinhos de papel, recados que os
anacolutos tornam misteriosos, anotações criptográficas sobre o tributo da
natureza feminina, uma cédula de dois cruzeiros com uma sentença hermética
escrita a batom, toda uma biografia esparsa que pode ser atirada de súbito ao
vento que passa. Ser brotinho é a inclinação do momento.
É telefonar muito, demais, revirando-se no chão como
dançarina no deserto estendida no chão. É querer ser rapaz de vez em quando só
para vaguear sozinha de madrugada pelas ruas da cidade. Achar muito bonito um
homem muito feio; achar tão simpática uma senhora tão antipática. É fumar quase
um maço de cigarros na sacada do apartamento, pensando coisas brancas, pretas,
vermelhas, amarelas.
Ser brotinho é comparar o amigo do pai a um pincel de
barba, e a gente vai ver está certo: o amigo do pai parece um pincel de barba.
É sentir uma vontade doida de tomar banho de mar de noite e sem roupa,
completamente. É ficar eufórica à vista de uma cascata. Falar inglês sem saber
verbos irregulares. É ter comprado na feira um vestidinho gozado e bacanérrimo.
É ainda ser brotinho chegar em casa ensopada de chuva,
úmida camélia, e dizer para a mãe que veio andando devagar para molhar-se mais.
É ter saído um dia com uma rosa vermelha na mão, e todo mundo pensou com
piedade que ela era uma louca varrida. É ir sempre ao cinema, mas com um jeito
de quem não espera mais nada desta vida. É ter uma vez bebido dois gins, quatro
uísques, cinco taças de champanha e uma de cinzano sem sentir nada, mas ter
outra vez bebido só um cálice de vinho do Porto e ter dado um vexame modelo
grande. É o dom de falar sobre futebol e política como se o presente fosse
passado, e vice-versa.
Ser brotinho é atravessar de ponta a ponta o salão da
festa com uma indiferença mortal pelas mulheres presentes e ausentes. Ter
estudado ballet e desistido, apesar de tantos telefonemas de Madame
Saint-Quentin. Ter trazido para casa um gatinho magro que miava de fome e ter
aberto uma lata de salmão para o coitado. Mas o bichinho comeu o salmão e
morreu. É ficar pasmada no escuro da varanda sem contar para ninguém a
miserável traição. Amanhecer chorando, anoitecer dançando. É manter o ritmo na
melodia dissonante. Usar o mais caro perfume de blusa grossa e blue-jeans. Ter
horror de gente morta, ladrão dentro de casa, fantasmas e baratas. Ter
compaixão de um só mendigo entre todos os outros mendigos da Terra. Permanecer
apaixonada a eternidade de um mês por um violinista estrangeiro de quinta
ordem. Eventualmente, ser brotinho é como se não fosse, sentindo-se quase a
cair do galho, de tão amadurecida em todo o seu ser. É fazer marcação cerrada
sobre a presunção incomensurável dos homens. Tomar uma pose, ora de soneto
moderno, ora de minueto, sem que se dissipe a unidade essencial. É policiar
parentes, amigos, mestres e mestras com um ar songamonga de quem nada vê, nada
ouve, nada fala.
Ser brotinho é adorar. Adorar o impossível. Ser
brotinho é detestar. Detestar o possível. É acordar ao meio-dia com uma cara
horrível, comer somente e lentamente uma fruta meio verde, e ficar de pijama
telefonando até a hora do jantar, e não jantar, e ir devorar um sanduíche
americano na esquina, tão estranha é a vida sobre a Terra.
In: O amor acaba. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2000. © Joan A. Mendes Campos
Conformados e
realistas, de Tostão
Fernando Calazans e poucos outros
jornalistas esportivos têm sido críticos e realistas sobre a qualidade e o
futuro do futebol brasileiro, da Seleção e dos clubes. Penso da mesma forma.
Estamos preocupados. Já a numerosa turma do oba-oba, também chamada de
otimista, acha que somos muito pessimistas.
Os conformados, os que têm pouco senso crítico e também os modernistas, que são muito bem preparados cientificamente, dizem que o futebol moderno é esse aí. Temos de engoli-lo. Tocar a bola e esperar o momento certo para tentar fazer o gol virou sinônimo de lentidão. Confundem modernidade com mediocridade.
Os conformados, os que têm pouco senso crítico e também os modernistas, que são muito bem preparados cientificamente, dizem que o futebol moderno é esse aí. Temos de engoli-lo. Tocar a bola e esperar o momento certo para tentar fazer o gol virou sinônimo de lentidão. Confundem modernidade com mediocridade.
Ninguém é tão ingênuo para achar que
se deve jogar hoje no estilo dos anos 60. O que queremos é ver mais qualidade.
Não podemos nos contentar com um futebol medíocre, quase só de jogadas aéreas e
de muita falta e correria. O encanto do futebol é outro.
Os jogadores são produzidos em
série, para exportação, como uma fábrica de parafusos. Os atletas de talento
são colocados na mesma linha de produção dos medíocres. Há mercado para todos.
Aumentou a quantidade e diminuiu a qualidade.
Nos últimos 14 anos, a Argentina ganhou cinco mundiais sub-20 (acontecem de dois em dois anos), além de duas medalhas de ouro nas Olimpíadas. O time que derrotou o Brasil tem sete jogadores da equipe campeã mundial sub-20 em 2005.
Muitos vão dizer, com um ótimo argumento, que nesse período, o Brasil ganhou duas copas do mundo e mais um vice, enquanto a Argentina não venceu nada. A razão disso é óbvia. A Argentina não teve um único fenômeno nesses 14 anos, até chegar Messi. Já o Brasil teve Romário, Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho e Kaká. Todos os cinco ganharam o título de melhor do mundo.
Nos últimos 14 anos, a Argentina ganhou cinco mundiais sub-20 (acontecem de dois em dois anos), além de duas medalhas de ouro nas Olimpíadas. O time que derrotou o Brasil tem sete jogadores da equipe campeã mundial sub-20 em 2005.
Muitos vão dizer, com um ótimo argumento, que nesse período, o Brasil ganhou duas copas do mundo e mais um vice, enquanto a Argentina não venceu nada. A razão disso é óbvia. A Argentina não teve um único fenômeno nesses 14 anos, até chegar Messi. Já o Brasil teve Romário, Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho e Kaká. Todos os cinco ganharam o título de melhor do mundo.
Os fenômenos, em todos os esportes,
dependem muito menos das condições em que são treinados. Eles não têm
explicação. Mas não se pode depender tanto deles. É preciso criar boas
estruturas e estratégias para formar um número maior de excelentes atletas.
Esses têm diminuído no futebol brasileiro.
Muitos treinadores brasileiros conhecem tudo de esquema tático, de estatísticas, dos adversários, porém conhecem pouco as sutilezas e subjetividades. Não são bons observadores.
Muitos treinadores brasileiros conhecem tudo de esquema tático, de estatísticas, dos adversários, porém conhecem pouco as sutilezas e subjetividades. Não são bons observadores.
Quem não sabe ver não sabe nada.
Eles se preocupam mais com seus esquemas táticos que com a qualidade do jogo e
se os melhores jogadores estão nos lugares certos.
Há exceções. Enfim, apareceu um técnico brasileiro que colocou Carlos Alberto na posição certa, se movimentando na frente, por todos os lados, e mais perto do gol, onde pode e deve driblar. Assim ele jogou no Porto com José Mourinho. Carlos Alberto não é armador, organizador, como atuava.
Há exceções. Enfim, apareceu um técnico brasileiro que colocou Carlos Alberto na posição certa, se movimentando na frente, por todos os lados, e mais perto do gol, onde pode e deve driblar. Assim ele jogou no Porto com José Mourinho. Carlos Alberto não é armador, organizador, como atuava.
Felipão estava louco para ver
Robinho no Chelsea porque precisa de um atacante rápido, habilidoso, que joga
melhor pelos lados e que é capaz de marcar no próprio campo e aparecer com
facilidade no ataque. Robinho é um desses raros jogadores. Se Felipão fosse
treinador da Seleção, certamente faria o mesmo.
Gazeta do Povo, 31/8/2008. Disponível em A Gazeta do Povo.
Quem tem medo de mortadela? de Mário
Prata
Modismo
é conosco mesmo. O brasileiro adora inventar moda. E todo mundo vai atrás dela.
A última do brasileiro é “primeiro mundo”. Os publicitários nativos inventaram
a expressão e agora tudo que nós queremos tem que ser coisa do “primeiro
mundo”.
O carro é do primeiro
mundo, a bebida é do primeiro mundo, a mulher é do primeiro mundo. Cineastas
querem fazer filme de primeiro mundo, diretores de teatro trazem a moda lá da
Europa. E os preços, evidentemente, também são de primeiro mundo.
Será que não nos
bastam os exemplos de Portugal, Espanha, Irlanda e Grécia, que se debruçaram na
mamata da CEE e agora enfrentam uma séria recessão e desemprego?
Por que essa mania,
de repente, de querer virar primeiro mundo? De terceiro para primeiro? Não
seria o caso de fazer um estágio, antes, no segundo mundo?
Os do primeiro mundo
adoram as coisas aqui do terceiro. Por exemplo, a caipirinha. Alemães,
ingleses, americanos, suecos caem trôpegos pelas calçadas de Copacabana. Quer
coisa rnais brasileira, mais terceiromundista, mais caipira e mais barata? Mas
já estão avacalhando com ela. Agora já tem caipirinha de vodca e, pasmem, de
rum. Caipirinha sempre foi e sempre será de cachaça. Coisa de caipira mesmo. E
é esta bebida que os europeus vêm procurar aqui. Mas já meteram a vodca e o rum
nela para ficar com cara de primeiro mundo. Vamos deixar a caipirinha caipira,
brasileiros!
Toda essa introdução
para chegar à mortadela. Ou mortandela, como preferem garçons e padeiros. Quer
coisa mais brasileira que a mortadela? Claro que ela veio lá da Itália. Mas
tornou-se, talvez pelo baixo preço, o petisco do brasileiro. O nome vem de
murta, uma plantinha italiana que lhe valeu o nome. Infelizmente o brasileiro
acha que mortadela é coisa de pobre, de faminto. E o que somos nós,
cara-pálidas?
A cachaça e a
mortadela são produtos do Brasil, do nosso querido terceiro mundo. Mas acontece
que há um preconceito dos patrícios contra a cachaça e a mortadela. Contra a
mortadela o caso é mais grave. Se você oferecer mortadela numa festa, vão te
olhar feio. Você deve estar perto da falência.
Neste Natal e no
Reveillon frequentei várias mesas, e em nenhuma havia mortadela. Queijos de
primeiro mundo, vinho de primeiro mundo, perfumes de primeiro mundo, até um
peru argentino eu comi. Mas mortadela que é bom, nada. Nem uma fatiazinha.
Quando o brasileiro
irá assumir que a mortadela é a melhor entrada do mundo? Quando você for para a
Europa, não adianta pedir dead her que não vai encontrar. Nem muerta dela.
Mas nem tudo está
perdido. No dia 1° do ano almocei com o casal Annette e Tenório de Oliveira
Lima, e lá estava a mortadela, fresquinha no prato rósea. Um limãozinho em
cima, um pedacinho de pão e viva o terceiro mundo, visto lá de cima do
apartamento do Morumbi.
No mesmo dia, de
noite, fui ao peemedebista Bar Nabuco, debaixo de frondosas sibipirunas da
Praça Vilaboim e estava lá, no cardápio, toda sem-vergonha, a mortadela
brasileira. Achei que estava começando bem o ano. Vai ser um Ano Bom, como se
dizia antigamente. Se os novos-ricos do PMDB estão comendo mortadela, nem tudo
está perdido. No Gargalhada Bar mais para PT, há um excelente sanduíche de mortadela.
E, nas boas padarias
do ramo você ainda encontra a verdadeira mortadela, aquela que chega no balcão,
feita na chapa, sem queimar muito, servida em pãezinhos saídos do forno.
Vamos deixar o
primeiro mundo para lá. Vamos, este ano, tomar cachaça e comer mortadela. É
muito mais barato ser pobre. Deixemos que o primeiro mundo exploda entre eles,
mesmo tomando uísque escocês e comendo queijo fedido.
Por favor senhores
brasileiros primeiro-mundistas, vamos deixar de frescura. Mortadela é o que há.
É um barato.
Feliz 94 para todos
vocês. Muita cachaça e muita mortadela. Apesar de tudo, o primeiro mundo é
triste e melancólico. Continuemos felizes e alegres com a nossa cachaça e a
nossa gostosa mortadela.
E que os candidatos à
presidência deste nosso país do terceiro mundo não se esqueçam que o Jânio
sempre se elegeu comendo “mortandela” e não caviar do primeiro mundo.
Publicada no jornal O
Estado de S. Paulo, 5/1/1994.
Do
rock, de Carlos Heitor Cony
Tocam a campainha e há um estrondo em
meus ouvidos. A empregada estava de folga, o remédio era atender o mau-caráter
que me batia à porta àquela hora da manhã. Vejo o camarada do bigodinho com o
embrulho largo e enfeitado.
— É aqui que mora a senhorita Regina
Celi?
Digo que não e fulmino o importuno com
um olhar cheio de ódio e sono, mas antes de fechar a porta sinto alguma coisa
de íntimo naquele “senhorita Regina Celi”, sim, há uma Regina Celi em minha
casa, minha própria filha, mas apenas de 12 anos, uma guria bochechuda ainda,
não merecia o título e a função de senhorita.
Chamo o homem que já estava no
elevador. Eram CDs, a garota encomendara um mundão de CDs numa loja próxima, e
pedira que mandassem as novidades, pois as novidades estavam ali,
embrulhadinhas e com a nota fiscal bem às claras.
Gemo surdamente na hora de assinar o
cheque e recebo o embrulho. A garota dormia impune, o mundo podia desabar, e
ninguém a despertaria do sono 12 anos. Deixo o embrulho em cima do som e volto
para a cama, forçar o sono e a tranquilidade interior, abalada pelo cheque tão
matutino e fora de propósito. Quando ordeno os pensamentos e ambições no
estreito espaço do meu pensamento e retomo um sono e um sonho sem cor nem
gosto, começa o rock.
Anos atrás, seria começa o beguine.
Mas o beguine passou de moda, e o swing, o mambo, o baião e outras pragas
vindas de alheias e próprias pragas. Pois aí estava o rock, matinal, cor de
sangue e metal inundando o dia e o quarto com sua voz rouca, seu compasso
monótono e histérico.
Purgo honestamente meus pecados e
lembro o pai, que me aturava a mania pelos sambas de Ary Barroso. O velho não
dizia nada, mas me olhava fundo e talvez tivesse ganas de me esganar. Mas me
aturava e aturava o meu Brasil brasileiro. Hoje, aturo o rock. Vou ao banheiro,
lavo o rosto, visto um short e vou para a sala disposto a causar boa impressão
à senhorita Regina Celi, que de babydoll, esbaforida, se degringola ao som de
U2.
O tapete já fora arrastado e
amarfanhado a um canto. Meu castiçal de prata foi profanado com a cara de um
tipo até simpático que naquela manhã ganhará alguma coisa à custa do meu labor
e cheque. A senhorita Regina Celi tem a cara afogueada, os pés e as pernas
avançam e ficam no mesmo lugar, o corpo todo treme e sua, até que ela me
estende o braço.
— Vem, papai!
O peso dos meus invernos e minhas
banhas causa breve hesitação. Mas ali estamos, eu e a senhorita Regina Celi,
uma menina que ainda pego no colo e aqueço com meu amor e o meu carinho, quando
ela tem medo do mundo ou de não saber os afluentes da margem esquerda do rio
Amazonas na hora do exame. Ela me chama e me perdoa.
Então, aumento o volume do som, espero
o tal do U2 dar um grito histérico e medonho — e esqueço o cheque, a vida e a
faina humana rebolando este cansado corpo-pasto de espantos — até que o fôlego
e o U2 acabem na manhã e no som.
Crônicas para se ler na escola.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.
A arte de ser avó
Rachel de Queiroz
Netos são como heranças: você os ganha
sem merecer. Sem ter feito nada para isso, de repente lhe caem do céu. É, como
dizem os ingleses, um ato de Deus. Sem se passarem as penas do amor, sem os
compromissos do matrimônio, sem as dores da maternidade. E não se trata de um
filho apenas suposto, como o filho adotado: o neto é realmente o sangue do seu
sangue, filho de filho, mais filho que o filho mesmo...
Quarenta anos, quarenta e cinco...
Você sente, obscuramente, nos seus ossos, que o tempo passou mais depressa do
que esperava. Não lhe incomoda envelhecer, é claro. A velhice tem suas
alegrias, as suas compensações - todos dizem isso, embora você, pessoalmente,
ainda não as tenha descoberto - mas acredita.
Todavia, também obscuramente, também
sentida nos seus ossos, às vezes lhe dá aquela nostalgia da mocidade. Não de
amores nem de paixões: a doçura da meia-idade não lhe exige essas efervescências.
A saudade é de alguma coisa que você tinha e lhe fugiu sutilmente junto com a
mocidade. Bracinhos de criança no seu pescoço. Choro de criança. O tumulto da
presença infantil ao seu redor. Meu Deus, para onde foram as suas crianças?
Naqueles adultos cheios de problemas que hoje são os filhos, que têm sogro e
sogra, cônjuge, emprego, apartamento a prestações, você não encontra de modo
nenhum as suas crianças perdidas. São homens e mulheres - não são mais aqueles
que você recorda.
E então, um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias da gestação ou do parto, o doutor lhe põe nos braços um menino. Completamente grátis - nisso é que está a maravilha. Sem dores, sem choros, aquela criancinha da sua raça, da qual você morria de saudades, símbolo ou penhor da mocidade perdida. Pois aquela criancinha, longe de ser um estranho, é um menino seu que lhe é “devolvido”. E o espantoso é que todos lhe reconhecem o seu direito de o amar com extravagância; ao contrário, causaria escândalo e decepção se você não o acolhesse imediatamente com todo aquele amor recalcado que há anos se acumulava, desdenhado, no seu coração.
E então, um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias da gestação ou do parto, o doutor lhe põe nos braços um menino. Completamente grátis - nisso é que está a maravilha. Sem dores, sem choros, aquela criancinha da sua raça, da qual você morria de saudades, símbolo ou penhor da mocidade perdida. Pois aquela criancinha, longe de ser um estranho, é um menino seu que lhe é “devolvido”. E o espantoso é que todos lhe reconhecem o seu direito de o amar com extravagância; ao contrário, causaria escândalo e decepção se você não o acolhesse imediatamente com todo aquele amor recalcado que há anos se acumulava, desdenhado, no seu coração.
Sim, tenho certeza de que a vida nos
dá os netos para nos compensar de todas as mutilações trazidas pela velhice.
São amores novos, profundos e felizes, que vêm ocupar aquele lugar vazio,
nostálgico, deixados pelos arroubos juvenis.
[...]
E quando você vai embalar o menino e
ele, tonto de sono, abre um olho, lhe reconhece, sorri e diz: “Vó!”, seu
coração estala de felicidade, como pão ao forno.
[...]
Até as coisas negativas se viram em
alegrias quando se intrometem entre avó e neto: o bibelô de estimação que se
quebrou porque o menininho - involuntariamente! - bateu com a bola nele. Está
quebrado e remendado, mas enriquecido com preciosas recordações: os cacos na
mãozinha, os olhos arregalados, o beiço pronto para o choro; e depois o sorriso
malandro e aliviado porque “ninguém” se zangou, o culpado foi a bola mesmo, não
foi, Vó? Era um simples boneco que custou caro. Hoje é relíquia: não tem
dinheiro que pague...
4ª Oficina - Sobre Peladas, de Armando Nogueira
Texto 1
Peladas, de Armando Nogueira
Nova Iguaçu, quatro horas da tarde,
sábado de sol. Dois times suam a alma numa pelada barulhenta; o campo em que
correm os dois times abre-se como um clarão de barro vermelho cercado por uma
ponte velha, um matagal e uma chácara silenciosa, de muros altos.
A bola, das brancas, é nova e rola
como um presente a encher o grande vazio de vidas tão humildes que, formalmente
divididas, na verdade, juntam-se para conquistar a liberdade na abstração de
uma vitória.
Um chute errado manda a bola, pelos
ares, lá nos limites da chácara, de onde é devolvida, sem demora, por um
arremesso misterioso. Alguns minutos mais tarde, outra vez a bola foi cair nos
terrenos da chácara, de onde voltou lançada com as duas mãos por um velhinho
com jeito de caseiro.
Na terceira, a bola ficou por lá; ou
melhor, veio mas, cinco minutos depois, embaixo do braço de um homem gordo,
cabeludo, vestido numa calça de pijama e nu da cintura para cima. Era o dono da
chácara.
A rapaziada, meio assustada, ficou na
defensiva, olhando: ele entrou, foi andando para o centro do campo, pôs a bola
no chão e, quando os dois times ameaçavam agradecer, com palmas e risos, o
gesto do vizinho generoso, o homem tirou da cintura um revólver e disparou seis
tiros na bola.
No campo, invadido pela sombra da
morte, só ficou a bola, murcha.
Do livro "Os melhores da crônica brasileira",
José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1977, pág. 22, extraímos o texto acima.
Atividades em grupo
(Após os alunos(as) responderem as questões, cada grupo deverá ler a análise sugerida pela OLP).
Respondam,
por escrito, às questões abaixo sobre “Peladas”.
- Onde se passa a história? Qual o cenário?
- Que acontecimento transformou a praça? Que recursos o autor utilizou para realçar essa transformação?
- Qual foi o conflito?
- No sétimo parágrafo o autor se refere à bola caracterizando-a como “coitadinha”. O que esse adjetivo no diminutivo sugere?
- Que expressões do cotidiano o autor usa no oitavo parágrafo?
- Como o cronista fez o desfecho? Que impressão esse desfecho lhe causou?
Texto 2
O
amor acaba, de Paulo Mendes Campos
O amor acaba. Numa esquina, por
exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés
engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente,
ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga
no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da
aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e
acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas
se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem
antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e
acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de
alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela
pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado
de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia;
no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da
pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas
silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da
Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da
simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à
beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns
dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o
pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados,
aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na
poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em
salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o
tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas
de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não
começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio,
frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que
chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na
descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou,
com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e
diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres,
Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia
imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos,
até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o
mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é
simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem
razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como
se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma
palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de
tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na
dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor
acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para
recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.
Texto
extraído do livro "O amor acaba", Editora Civilização Brasileira –
Rio de Janeiro, 1999, pág. 21, organização e apresentação de Flávio Pinheiro.
COMPARAÇÃO ENTRE TEXTOS 1 E 2.
1. ANÁLISE COMPARATIVA:
1. ANÁLISE COMPARATIVA:
ANÁLISE | ASSUNTO | TOM DA NARRATIVA | FOCO NARRATIVO (1ª OU 3ª PESSOA |
TEMA CENTRAL |
PELADAS, DE ARMANDO NOGUEIRA | ||||
O AMOR ACABA,
Paulo Mendes Campos
|
2. DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS
5ª OFICINA
Biografia de Machado de Assis
http://youtu.be/ycGtRZrs3Y0
“Um caso de burro”
Acesse o link: http://minicasts.podomatic.com/play/1153359/2133373
Hipóteses
1. Vocês
já conseguem identificar efeitos de ironia ou humor numa crônica?
2. Conseguem
reconhecer os elementos constitutivos da crônica?
3. Já
estabelecem relações entre partes de um texto, identificando as repetições e
substituições que contribuem para a continuidade dele?
4.Vocês
já sabem inferir uma informação implícita em um texto, deduzir significados e
conteúdos, extrapolar?
Confrontando título-texto
Atividades orais
1. Apresente o título do texto: “Um caso de
burro”. Peça aos alunos que anotem a opinião deles acerca desse título.
2. Por meio de perguntas, explore um pouco
esse título:
Esse título desperta a atenção do leitor? Por
quê? O que ele sugere?
Pelo título, dá para imaginar o assunto da
crônica?
Ele insinua de que personagens a crônica irá
tratar? Qual o cenário?
3. Após a conversa, ouça com os alunos a
crônica “Um caso de burro”.
Atividade coletiva
1. Depois da audição da crônica, organize um
bate-papo coletivo.
2. Em seguida, divida os alunos em grupos e
peça-lhes que leiam “Um caso de burro” e respondam por escrito a algumas
questões:
O texto correspondeu às expectativas
levantadas pelo título?
Qual é o foco narrativo? O autor é personagem,
usa a primeira pessoa ou não se envolve, apenas conta o que aconteceu com
outros?
Que ideias e emoções foram despertadas pela
leitura?
Para Machado, o burro é metáfora de quem ou de
quê?
Onde Machado emprega o recurso da prosopopeia?
3. Agora compare as ideias deles com a análise
que fizemos da crônica machadiana, lembrando que essa é apenas uma
possibilidade.
Ou analise a crônica
·
Identificar o assunto da crônica e suas
personagens;
· O conflito da narrativa;
· As
situações em que o narrador acentua o tom irônico;
· O
desfecho.
6ª Oficina
Objetivo
·
Refletir
sobre a diferença entre notícia e crônica.
·
Identificar
os recursos de estilo e linguagem numa crônica de Moacyr Scliar.
Da notícia à crônica
Atividades
1. Há várias formas de apresentar Moacyr
Scliar ao grupo, mas talvez você possa começar lendo para os alunos a manchete
de uma notícia publicada no jornal Folha de S. Paulo em 10 de setembro de 2001:
“Cobrador usa intimidação como estratégia.
Empresas de cobrança usam técnicas abusivas, como tornar pública a dívida.”
(Folha de S. Paulo,
Cotidiano, 10/9/2001.)
2. Retome com o grupo o principal objetivo de
textos como esse: relatar o fato ocorrido de maneira o mais impessoal possível,
evitando a ambiguidade, e faça um pequeno levantamento de ideias para
transformar essa notícia em crônica.
3. Pergunte então se alguém já leu as crônicas
de Moacyr Scliar baseadas em notícias de jornal. Junte as informações que os
alunos já tiverem e, se preciso, as complemente com o texto sobre o autor.
Atividades
1. Apresente o título do texto: “Cobrança”.
Faça um jogo de livre associação pedindo aos alunos que digam rapidamente, um
depois do outro, tudo o que lhes vem à cabeça ao ouvir a palavra “cobrança”.
2. Divida os alunos em trios e leia com eles o
texto “Cobrança”. A leitura deve começar pela exploração do título.
3. Fale sobre a situação de comunicação em que
a crônica “Cobrança” foi produzida: o veículo inicial foi o jornal, só depois
foi publicada no livro O imaginário cotidiano.